terça-feira, 24 de março de 2015

Poça de lama

Isso
Nunca começou
Nunca terminou

Nunca vai parar
Vai seguir sua trajetória

Não vai parar nunca
Quando chegar o momento
Vai voltar
Mais uma vez

E continuar
Sem parar

Sem algo que alcance
Sem algo à frente que barre

Sem parar

Vai continuar
Não de onde parou

Porque nunca parou
Nunca começou

Sempre existiu e
sempre vai existir

E vai continuar

sem parar

nada vai impedir
como nunca impediu

Porque nada veio antes para tanto
E nada vai existir depois

Sempre houve e sempre haverá

Antes de tudo e depois de nada

Nunca para

O remorso do almoço infinito

O que você faz aqui?

Aquele dia
Aquilo que houve
Foi coisa de momento

O que você quer?

Que eu peça perdão? Que eu me me responsabilize

Que eu visite o fruto do que fiz com você?

E você, veio fazer o que aqui? Deixei a porta trancada.

Aquela hora
Eu não tinha prestado atenção
Bebi demais
Nem sei seu nome
Aconteceu de repente e quando acabou
Eu fugi

Você queria que eu mandasse flores?

Você também? Por quê?
Eu não tive escolha, era uma ou outra

E você?
Eu estava só fazendo o que me pediram.

Por que estão aqui? O que vieram cobrar?

Eu estou almoçando
É um momento sagrado
Não convidei ninguém

Querem que eu me ajoelhe? Peça perdão?
Isso não vai mudar nada, não vai voltar o tempo

Querem que eu me arrependa. Não.
Fiz e não me arrependo
E ainda que assim fosse
Que diferença faria?

Eu não pedi para virem aqui
Eu não quero vocês aqui

Estou almoçando
Podem respeitar esse momento?

E voltar de onde vieram?
Ninguém precisa saber
E nem vai

Quem vai acreditar?

Não vão destruir minha vida
Só por que vocês não mais a têm

Seguirei jantando
Fiquem assistindo

Não sairei tão cedo daqui

A pinta

Não sei quem você é
De onde é
O que faz ou fez
Ou deixou de fazer

Não sei quem ama
Quem odeia

Não sei se me ama
Se me odeia
Se me ignora

Não sei se sabe da minha existência

Eu também não sei quase nada sobre você

Só estou vendo
a sua pinta
perto da sua boca
na sua bochecha

Uma pinta com campo gravitacional
De mil Júpiteres

Eu não consigo
Parar de olhar

A sua pinta

No seu rosto

Fogo é amor

O fogo preto
Saindo dos túmulos
Com fumaças azuladas

A fumaça branca de um fogo cinza

Fogo prateado
Fogo dourado
Fogo bronzeado
Fogo da brasa

Fogo vermelho
Jorrando como sangue
Explodindo

Expelido chorume amarelo
Com uma espessura verde

O fogo roxo
Com cheiro rosa
Que atrai e envenena

O fogo transparente
Matando lentamente
fazendo o corpo doente
mostrar o que sente

Fogo marrom
aterrando tudo
Com gosto de terra de cemitério

O fogo do esqueiro
Deixando o pulmão preto
Expelir a fumaça branca

O fogo corrói tudo
Derrete
Carboniza
Mata e reinventa
Transforma branco em preto
E preto em branco

Faz experiências bizarras
Dentro de nós

O fogo que não se apaga nunca
Que nunca morreu
Nem morrerá

Uma chama eterna
Um brilho sem fim
Destruindo tudo

Para que tudo se reinicie

A redenção é pelo fogo

Por isso vamos todos queimar
Vamos cair na lava e
Sermos fritos
Cozidos
Assados
Defumados
Ainda vivos

Vamos arder
Vamos à dor

Fogo é amor

sexta-feira, 20 de março de 2015

As saídas do cemitério

Do céu e para o inferno

De um calor corrosivo do centro da terra
Para o calor do sol

Da cegueira intensa da escuridão
Para a cegueira intensa da luz solar

Das torturas e ressentimentos
Para as inquisições morais

Do tridente, rabo e chifres
Para o cajado, a barba e a onipresença

O poder de vida e morte
O poder sobre tudo

Entre deuses e demônios

Fico apenas vagando num cemitério gelado, com seu frescor pálido
Com seus ventos fúnebres

A escolha é difícil no purgatório

Ninguém por aqui quer ser eternamente torturado no inferno
Nem no céu, no qual qualquer erro te leva direto para longe

Como não somos plenamente bons, nem conseguiremos, não temos céus
Como não somos plenamente maus, nem conseguiremos, não teremos inferno

Cabe a cova, nosso lugar
Desistimos de procurar um destino

E descansamos



quarta-feira, 18 de março de 2015

Dentro da terra

No meio do mangue
Dentro da terra
Escondido nas cavernas

Enraizado
Atolado
Empoeirado

Cavo cada vez mais
Passo pelo futuro e pelo passado
Ramifico o tempo
Com raízes que sugam lembranças
Lambanças

De tempos
             
             Achados
E perdidos
             E pedidos
E esquecidos

Num vendaval cronológico
Tudo vai embora

Mas sigo na oca
Criando mais raízes

                                                          Os ventos de Cronos
                       Seguirão sua trajetória
                                                              Até outras dimensões
                         Com as lembranças

Mas eu fico aqui
Segurado em minhas raízes
Segurando em galhos com minhas prezas

Depois do vendaval, hora de criar de novo
Uma nova casa
Com novas lembranças e expectativas
Novos passados e futuros